A resposta está relaciona ao ciclo das águas, fenômeno que anualmente regenera o Pantanal das queimadas
O Pantanal é a maior planície alagável do mundo, fato que pode ser considerado de senso comum. Mas, o que poucas pessoas ainda sabem é como funciona o fenômeno de cheia e seca da região.
Para começar, é importante entender que o Pantanal é geograficamente uma planície (bioma pantanal) circundada por planalto (bioma cerrado). No encontro desses dois relevos apresentam-se formações rochosas, como a serra de maracajú e a serra do amolar, no Mato Grosso do Sul. É a partir da observação desse entorno que fica fácil entendermos a dinâmica do ciclo das águas.
No cerrado, estão localizadas as nascentes dos principais rios que banham a planície pantaneira. O Rio Paraguai, por exemplo, maior e mais importante rio da região, nasce na serra dos Parecis, no estado do Mato Grosso. Além disso, “chuva no Pantanal não enche”, ou seja, a contribuição da precipitação de chuva em território pantaneiro para o alagamento da região é praticamente nulo. A água que realmente alaga é a que precipita no cerrado e é escoada através dos rios para “baixo”, ou seja, para o Pantanal (lei da gravidade, certo?).
Essa água escoada do cerrado para o Pantanal acumula na região justamente pela falta de vazão que a geografia impõe. Nas palavras de Maria do Carmo Brazil (fac-símile): “O rio deixa para traz o trecho torrentoso do Paraguai Superior e despede-se das tormentas, dos rios encachoeirados e de rápidas corredeiras que compõem seu cenário primitivo. As planícies começam daí a lhe determinar o curso. O rio torna-se compassado, de diminutos declives, de trechos quase horizontais, de remanso.”
Esse cenário faz com que, tradicionalmente, existam três épocas (cheia, vazante e seca) e duas estações (chuvosa e seca) no Pantanal. As estações levam em consideração a precipitação na região, ou seja, na estação chuvosa, chove, enquanto na estação de seca, não chove. Já a divisão das épocas considera a paisagem do solo: na cheia, a planície está completamente alagada, na vazante os níveis da água começam a baixar lentamente, e quando chega a época da seca, a água anteriormente acumulada já foi completamente dissipada, onde nesse momento ocorrem as queimadas.
“Durante a estação seca, cujo ápice geralmente ocorre em agosto, é bastante comum e frequente a ocorrência de fogo, especialmente nos locais em que há maior acúmulo de biomassa vegetal seca, como nas formações campestres e savânicas mais abertas. A combinação de períodos com chuvas abaixo dos valores médios e acúmulo de material vegetal desvitalizado cria as condições necessárias para a ocorrência de incêndios (…)” (Documenta Pantanal).
Essa variação na condição de sobrevivência no Pantanal é dominada pelos agentes do ecossistema pantaneiro, sejam eles animais, plantas ou pessoas. Os produtores rurais da região, inclusive, possuem conhecimento secular no manejo de bovinos a favor da diminuição de biomassa vegetal para enfrentamento de períodos de seca e redução do risco de queimadas. Nesse sentido, grande parte das queimadas que ocorrem acabam sendo iniciandas em áreas com alto acúmulo de “capim seco”, como RPPNs.
Em resumo, a regeneração do Pantanal após as queimadas depende diretamente da hidrologia da região, que por sua vez, depende diretamente do índice pluviométrico no cerrado. Quanto menor a precipitação de chuva no cerrado, menos água chega ao Pantanal, o que prolonga a duração do período de seca e aumenta a intensidade das queimadas no bioma.
Dessa forma, seca e fogo são dois personagens que sempre existiram no Pantanal. A grande preocupação é a mudança climática global que vem ocorrendo ao longo dos anos, cujos impactos no bioma são justamente essa redução no volume de chuvas, prolongamento do período da seca e aumento das temperaturas registradas. O conjunto desses fatores gera a ocorrência dos grande incêndios que estamos acompanhando nos últimos tempos.