Serra de Maracaju no Mato Grosso do Sul

Introdução

A criação do estado de Mato Grosso do Sul foi instituída durante a ditadura militar sob o governo de Ernesto Geisel, através da lei complementar nº 31 de 11 de Outubro de 1977, apesar de sua oficialização ter ocorrido apenas em 1 de janeiro de 1979. Antes disso, a antiga extensão do Estado do Mato Grosso totalizava mais de 1 milhão de km², ou mais de 176 milhões de campos de futebol! Foi justamente a dificuldade de se governar um território tão vasto que impôs a necessidade de divisão. Essa decisão, com partidários a favor e contra, impactou a configuração política da região centro-oeste do Brasil, além da dinâmica socioeconômica.

Neste artigo, vamos explorar as razões, o processo e as consequências dessa divisão, oferecendo uma visão histórica e cultural sobre como esse evento moldou a identidade e o desenvolvimento do Mato Grosso do Sul.

Mapa da divisão entre Mato grosso (MT) e Mato grosso do sul (MS)
Imagem: Linha divisória entre MT e MS

Histórico da Região

O século XVIII foi marcado pelas explorações dos bandeirantes paulistas em direção ao oeste em busca de ouro. O trajeto feito por esses exploradores iniciava embarcando em Porto Feliz (120 km de São Paulo), no rio Tietê, seguia pelo Rio Paraná a fim de adentrar o Rio Pardo, onde corriam seu curso até um local outrora conhecido como lagoa sanguessuga. Por terra (aproximadamente 14 km, segundo relatos históricos), rumavam à Fazenda Camapuã, ponto de apoio e abastecimento para a próxima parte da viagem. Embarcando no Ribeirão Camapuã, alcançavam o rio Coxim e logo o comprido Taquari, o primeiro rio pantaneiro desse percurso, que os conduzia até o remanso Rio Paraguai, cujo rumo ao norte, levava esses bandeirantes ao encontro do Rio São Lourenço, caso sobrevivessem aos ataques dos índios Paiaguás. Por fim, após meses de viagem, finalmente navegavam o Rio Cuiabá, curso d’água homônimo da cidade que hoje é a capital do Mato Grosso, e consagrava-se como destino final dessa empreitada. Os primeiros bandeirantes a lograr o feito de alcançar terras tão longínquas datam do final do século XVII.

Foi nesse contexto de desbravamento territorial para movimentação da economia aurífera, que Cuiabá (nomeada Forquilha à época) foi fundada em 1719 pelo bandeirante paulista Pascoal Moreira Cabral. O povoado foi elevado à categoria de vila em 1727 (Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá) e posteriormente à cidade em 1818, tornando-se capital da província, em lugar de Vila Bela da Santíssima Trindade. 

Um século depois, com a exaustão das minas de ouro, a região norte de Mato Grosso definha economicamente, e o sul passa a ser bem mais atrativo, devido aos solos férteis e campos extensos para criação de gado, propícios ao desenvolvimento agropecuário. Com tais vantagens, boiadeiros paulistas, mineiros, gaúchos e até os próprios cuiabanos migram para a região, deslocando o polo econômico da região para o sul da província. 

É nesse cenário que, em 1875, o mineiro José Antônio Pereira inicia, ao lado de outros que já haviam se estabelecido na região, a ocupação de Santo Antônio de Campo Grande. O povoado foi criado primeiramente como distrito da cidade de Nioaque, em 1889, tornou-se vila e município em 1899 e atingiu a categoria de cidade, em 1918.

Posteriormente, um importante fator para consagração da importância de Campo Grande foi a escolha da cidade, pela Companhia de Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, para sediar a diretoria regional que atenderia todo o sul do Mato Grosso. Esse movimento alterou o eixo econômico de Cuiabá-Corumbá para Campo Grande-São Paulo e cravou a relevância de Campo Grande, fazendo com que Cuiabá perdesse força e criasse uma desvantagem logística em relação à Campo Grande. 

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Foto: Estação ferroviária de Campo Grande, construída em 1935

Razões para a Divisão

1. Dificuldade Administrativa

Com um território vasto e populações concentradas em diferentes regiões, o governo central de Mato Grosso, sediado em Cuiabá, enfrentava dificuldades para atender às demandas das áreas mais distantes da capital. 

Um dos principais descontentamentos da população do Sul do Estado era o sentimento de abandono à própria sorte contra a bandidagem que assolava a região. 

Bandoleiros famosos como Silvino Jacques (década de 1930) e os “baianinhos” (década de 1940) instauraram o terror na região fronteiriça com o Paraguai e no Pantanal, cometendo crimes que variavam de assaltos à assassinatos e estupros. 

2. Baianinhos
Imagem: Manchete do jornal Diario da Noite sobre os irmãos “baianinhos”, 15 de dezembro de 1943

2. Falta de Investimento

O sul de Mato Grosso tinha uma economia mais desenvolvida, baseada principalmente na agricultura e na pecuária. No entanto, a falta de investimentos do governo estadual na região dificultava o crescimento. 

Apenas recentemente, já na atual década, a abertura de importantes eixos rodoviários, como a BR 158, 163 e 364, veio permitir a aceleração do desenvolvimento econômico, que hoje se processa em ritmo mais que satisfatório.” (Assessoria de Relações Públicas da Presidência da República, outubro de 1977)

3. Bandeirantes & Boiadeiros: Parecidos, pero no mucho.

A diferença de origem criou desde o início uma falta de identificação cultural entre as partes, fazendo com que desde o linguajar aos hábitos alimentares diferissem. Por exemplo, enquanto o cuiabano gosta de “pêchê”, no sul, não abrimos mão de uma boa “caRne”.   

2. churrasco MS
Imagem: Típico churrasco sul-mato-grossense, conhecido como “costela de chão” ou “costela de buraco”

Curiosidades

1. O Estado já havia sido dividido em 1932

Com a adesão de civis e militares do sul do Mato Grosso à Revolução Constitucionalista de 1932, foi criado o Estado de Maracaju, que existiu por menos de 3 meses, entre 11 de julho de 1932 a 02 de outubro de 1932, com Vespasiano Barbosa Martins nomeado governador. O Estado de Maracaju nunca existiu oficialmente, visto que não foi reconhecido pelo presidente da época, Getúlio Vargas.

2. Hino do Mato Grosso do Sul

Os celeiros de farturas
Sob um céu de puro azul
Reforjaram em Mato Grosso do sul
Uma gente audaz

Tuas matas e teus campos
O esplendor do pantanal
E teus rios são tão ricos
Que não há igual

A pujança e a grandeza
De fertilidades mil
São o orgulho e a certeza
Do futuro do Brasil

Moldurados pelas serras
Campos grandes: Vacaria
Rememoram desbravadores
Heróis, tanta galhardia!

Vespasiano, Camisão
E o tenente Antônio João
Guaicurus, Ricardo Franco
Glória e tradição! A pujança e a grandeza
De fertilidades mil
São o orgulho e a certeza
Do futuro do Brasil

3. Bandeira

2. Bandeira do MS
Bandeira do Mato Grosso do Sul

4. Tentativa de alterar o nome do Mato Grosso do Sul

“Pantanal”, “Campo Grande” e “Maracajú” são algumas das ideias que já foram propostas para substituir o nome do Mato Grosso do Sul.

Agradecimento especial

Não fosse um humilde boiadeiro falido e sua esposa aguerrida arriscarem tentar a vida no Mato Grosso acompanhados de dois filhos pequenos no ano de 1973, meu pai nunca teria conhecido minha mãe, e eu não estaria aqui contando essa história.

Meu avô, Edmur Miglioli (1942-2023), carregava um espírito de coragem, determinação e persistência ímpares. Um homem sem estudo, que abandonou o colégio na 4ª série para trabalhar como peão boiadeiro, encontrou no Mato Grosso do Sul a oportunidade de prosperidade financeira que permitiu dar aos filhos o conforto que ele e minha avó não puderam ter.

Infelizmente não há registro fotográfico dele na lida do campo, mas através de sua história, estendo aqui minha homenagem à todos os boiadeiros, homens e mulheres, que ajudaram a construir o Estado de Mato Grosso do Sul ao longo desses 47 anos.

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